Chegamos a uma conclusão já há muito
tempo ensinada por Mestres antigos e hoje em dia bastante divulgada em livros. Nossa lógica
e raciocínio apóiam e entendem estes ensinamentos quando paramos para analisar
este assunto. Mas, durante o dia-a-dia é quase impossível viver esses conhecimentos
e somos forçados a mergulhar em nossa maneira habitual de pensar e agir com
relação às coisas que nos rodeiam. Como nós, seres racionais, nos deixamos cair
novamente nesta ilusória separatividade do mundo? Qual o motivo que nos impede
de ficarmos sempre conscientes desta Unidade que nos envolve? Por que somente
por alguns instantes mínimos sentirmo-nos envolvidos por esta Unidade, para
logo sermos arrastados de volta ao nosso pequeno mundo de fantasia? Vamos
tentar encontrar as causas que nos forçam a proceder dessa maneira.
Se observarmos os nossos sentidos
comuns – visão, audição, tato, gosto e olfato – veremos que todos eles são
voltados para fora, para o exterior, para as aparências superficiais do que nos
rodeia. Praticamente, todo o tempo nos baseamos nas informações que os sentidos
nos transmitem do exterior e é com estes dados que nossa mente trabalha. Para
vivermos a nossa vida comum de todos os dias, que é ganhar dinheiro, comer,
vestir e divertir-se, não é necessário raciocínio muito profundo, quase a
totalidade de nossas atividades diárias são operações de rotina, e isto nos
condiciona a um padrão de ação automático. Nossa mente e nossos pensamentos
foram treinados durante anos para agirem desta forma sobre imagens de coisas
aparentemente separadas. Foi tão grande a força que a mente conquistou neste
constante exercício que é difícil de modificar sua maneira de operar. Podemos
forçar a mente a interpretar o mundo de modo diferente só por alguns instantes,
ao menor descuido nosso ela volta a agir, como de costume, e nos leva com ela.
A mente não é um mal por si
mesma, é um instrumento muito precioso que desenvolvemos, mas que deve
estar sempre sob controle e vigilância para poder fazer um bom trabalho, caso
contrário, pagaremos bem caro pela imperícia ao manejá-lo. Por isso, os Mestres
sempre nos aconselham a vigiar nossos pensamentos para termos sempre o controle
de nossa mente.
Outro obstáculo que nos separa de
estarmos conscientes sempre desta maravilhosa Unidade que tudo envolve, são os
padrões preconceituosos que moldaram nossa personalidade atual. São os
condicionamentos em nosso subconsciente desde a infância de cada um de nós.
Analisando superficialmente, eles não são notados, mas se verificarmos com
cuidado, nossa personalidade foi influenciada por vários sentimentos de
discriminação que, rigidamente, nos moldam a maneira de proceder. Estes agentes
de condicionamento estão, muitas vezes, camuflados sob aparências brilhantes e
honestas. Por exemplo: a nossa nacionalidade. Se vemos uma pessoa pela primeira
vez e notamos que é de origem diferente da nossa, um alerta automático surge do
nosso subconsciente: “Cuidado, é um estrangeiro!” e ficaremos de sobreaviso
quanto ao modo de agir daquela pessoa, suas palavras e idéias. Somos também
condicionados pela cor das pessoas, a raça a que pertencem, religião, sexo,
condição social, instrução, política, costumes, profissão e muitas outras
pequenas coisas que podemos considerar banais e sem importância, mas que
sutilmente influenciam nossos pensamentos, idéias e ações.
Podemos imaginar cada um de nós
envolvido por uma espécie de filtro invisível, formado pela nossa
personalidade, a mente e nossos pensamentos. Este filtro atua nos dois
sentidos, de nós para o exterior e do exterior para nós. Qualquer informação
que recebermos de fora passará sempre por este nosso filtro e tomará uma
tonalidade particular, segundo a posição deste mesmo filtro. Do mesmo modo,
tudo o que manifestarmos para fora, pensamentos, palavra e atos, passará infalivelmente
por ele, tomando suas características peculiares.
Este filtro é impalpável, mas
muito concreto pela sua aça. Não é estável, mas varia e se agita
bastante pelas nossas emoções, pensamentos, etc. Portanto, quanto mais controle
tivermos sobre nossos pensamentos, emoções e nervos, menor será a interferência
deste filtro ou atmosfera que nos rodeia, pois as distorções provocadas nas
imagens e informações serão menores e podem ser mais facilmente corrigidas pela
atenção concentrada.
Por estas razões, nós, seres racionais
e inteligentes, somos enganados constantemente pela ilusão de separatividade
dentro da Unidade Real onde estamos. A infinidade aparente de formas e imagens
que percebemos pelos sentidos, e a variedade de padrões e conceitos de
interpretação que cada um de nós possui, tudo isso combinado de maneiras
diferentes pelas tendências particulares de cada criatura é a origem básica do
sonho que criamos e dentro do qual estamos.
Todos nós temos nosso sonho particular
e por ele lutamos como se fosse uma realidade, e é por isso que nós,
sonhadores, temos interpretações diferentes sobre as mesmas coisas, por mais
simples que sejam, e temos dificuldades em nos entenderemos uns com os outros.
Nossos sonhos são diferentes e, enquanto forem sonhos, não haverá consenso
entre nós. Os Mestres, Sábios e Santos não divergem entre si, pois não sonham
mais, estão despertos. Se interpretarmos seus ensinamentos de modos diferentes
e opostos, o erro é nosso. Temos dificuldade em entender e praticar a Sabedoria
Divina por não aceitá-la totalmente e sem restrições assim como é: tentamos
adaptá-la à nossa maneira, para que se encaixe dentro dos nossos sonhos, na
ilusão de que os tornaremos mais reais. Por mais que retoquemos nossos tão
queridos sonhos, serão sempre sonhos, nada mais que isso. O que nos é difícil
aceitar é que temos de destruir nossos sonhos particulares que carregamos junto
de nós. Uma ilusão só desaparece quando não a aceitamos como realidade e
procuramos essa realidade. O real e o irreal não são percebidos ao mesmo tempo.
Um sempre desaparece quando o outro domina. A verdade e a mentira não
coexistem, uma anula a outra. Não podemos estar dormindo e acordados ao mesmo
tempo, e se gostamos muito de dormir, mesmo que acordemos por alguns instantes,
voltaremos ao sono novamente. Estamos adormecidos tão profundamente que, quando
temos algum lampejo da realidade durante a oração e a meditação, é impossível
sustentar aquele estado por mais tempo, pois o sonho nos atrai, devido ao
grande apego e adoração que temos por ele.
Nesse cenário imaginário, com formas,
imagens, percebemos nosso corpo físico e nos identificamos com ele como sendo
nós próprios. Pois é pelo corpo físico que percebemos o mundo que nos
rodeia; semelhante a um microscópio de laboratório usado para ver um mundo
diferente e fantástico. Ficamos tão apegados a este instrumento, que é o corpo
físico, que é difícil qualquer atividade que não esteja em função dele.
Quanto mais iludidos estivermos pelo
sonho que criamos e quanto menos procurarmos entender e viver a Unidade da Vida
que a tudo envolve, nos sentiremos cada vez mais isolados de tudo. Seremos
sempre estranhos em lugares mais estranhos ainda. Um imenso vazio irá se
formando entre nós e tudo o mais. Isso não é agradável por provocar uma grande
insegurança. A insegurança gera o medo, e o medo, a agressividade. Neste
redemoinho maluco perdemos um Dom precioso que é de nossa natureza interior, a felicidade.
E, quando infelizes, sentimos que algo está errado, sendo necessário remediar a
situação. Por isso, somos impelidos a atrair tudo para nós, assim não nos
sentiremos mais isolados e com medo; teremos mais segurança e,
conseqüentemente, a “felicidade”, sem a qual não sabemos viver. A felicidade é
o nosso estado natural e todos nós procuramos esta felicidade mesmo em nosso
sonho. Isso demonstra que, na realidade, somos unos com tudo e essa Unidade é a
nossa própria natureza. Temos um arrebatamento de indescritível felicidade
quando, por pequeninos instantes, sentimos essa Unidade. Mas este impulso de
abranger tudo em nossa volta é interpretado de maneira errada em nosso sonho,
pois acreditamos que temos de nos apegar às formas, imagens e objetos. O apego
às coisas é um erro que criamos para tentar corrigir um erro imaginário em
nossa ilusão de separatividade. E, com isso, ficamos em situação pior que
antes. O apego com aquilo que nos rodeia nos faz infelizes pelo receio de
perdermos os bens que temos e pela ansiedade em conseguir o que não possuímos.
Queremos deixar claro que não se trata da posse de bens materiais em si mesmo,
mas do apego doentio que possa haver.
Nessa luta insana e infrutífera, não
resolvemos o aparente problema formado em nosso sonho. Muito pelo contrário,
pelo apego desenfreado desenvolvido aprofundamos mais ainda o sono já existente
e, de tal maneira, que criamos um terrível pesadelo em nosso sonho, tão
terrível que pode prender qualquer criatura por ciclos seguidos. Esse pesadelo
é chamo de ...continua na Parte IV
Texto de Iran W. Kirchner
Foto Ilustrativa
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